Teorias de Restauração do Patrimônio Arquitetônico
Teorias de restauração arquitetônica. Viollet-le-Duc propõe restaurar construções à sua forma original. Ruskin defende a preservação sem intervenções, mantendo a autenticidade. Boito sugere uma restauração científica que diferencia claramente o antigo do novo.
A meados do século XIX, surgiu a consciência sobre a conservação dos monumentos, especialmente ao observar o estado de ruína ou degradação que os edifícios estavam enfrentando com o passar do tempo.
No cenário da preservação do patrimônio arquitetônico, surgem três figuras proeminentes, John Ruskin, Camillo Boito e Viollet-le-Duc, que com suas individuais - e contraditórias - teorias de intervenção, moldaram a prática da conservação arquitetônica e continuam a influenciar as decisões contemporâneas na preservação do patrimônio construído.
Viollet-le-Duc: restaurar à forma original
Restaurar um edifício significa restabelecê-lo em um grau de integridade que talvez nunca tenha tido. – Viollet-le-Duc
Um dos pioneiros em teorias de restauração arquitetônica, Viollet-le-Duc (1814-1879) estabeleceu a restauração estilística, que busca recriar um monumento exatamente como era, enfatizando a unidade formal. Sua abordagem, no entanto, ia além, visando recuperar a forma ideal, removendo estilos adicionados que não correspondiam à forma original, gerando críticas por falsificações históricas.
Este método valida e impõe reconstruções, substituições, adições ou eliminações baseadas em analogias tipológicas e estilísticas. Distanciando-se da simples manutenção do passado, ele busca restituir uma arquitetura alterada pelo tempo, degradada em seus materiais e sujeita a "erros" estilísticos, devolvendo-lhe sua condição primitiva e a pureza do estilo.
Isso implica, inclusive, completar um edifício inacabado no estilo correspondente, refletindo uma atitude característica do século XIX, que vê no estudo do passado a descoberta e recuperação de uma identidade nacional.
John Ruskin: o monumento vive e morre
Conte as pedras como faria com as joias de uma coroa; estabilize-o com escoras onde ele se inclina sem considerar a feiúra do suporte, pois isso é preferível a um elemento ou membro perdido fazendo-o permanecer reverente e continuamente e muitas gerações nascerão e passarão sob sua sombra. No final chegará a sua hora e não deixará que nenhum acréscimo desonroso e falso o prive do serviço fúnebre da memória. - John Ruskin
No contexto oposto ao de Viollet-le-Duc, John Ruskin (1819-1900), foi um defensor da autenticidade histórica e preconizou a não intervenção. Ruskin comparava a vida de um edifício à de um ser vivo, seguindo um ciclo de nascimento, vida e, eventualmente, morte. Para ele, o monumento era uma obra de arte que pertencia ao seu criador, e tocá-lo seria equivalente a destruí-lo, gerando meras imitações. Dessa forma, a única maneira de evitar a ruína é a conservação.
O pensamento desse crítico não concebia a liberdade como um fator de restauração. Ao contrário, ele transformava a obra de arte em algo místico, a ser respeitado de maneira quase religiosa, refletido na sua postura de não intervenção.
Essa abordagem representava uma posição contemplativa em relação ao monumento, fugindo da ação decidida da abordagem francesa de Le Duc. Para Ruskin, a obra de arte era uma criação exclusiva do seu criador. Poderíamos apreciá-la, contemplar sua decadência e admirar seu estado de ruína, mas não teríamos o direito de interferir, pois a obra não nos pertencia.
A validade da obra de arte residia unicamente em sua forma original, e qualquer intervenção era vista como arbitrária e contraproducente à sua essência. Assim como qualquer ser vivo, o monumento tinha seu ciclo de vida completo: nascimento, juventude, maturidade, decadência e morte.
Independentemente da sua durabilidade, a aceitação desse ciclo era vista como a atitude mais sensata. Mesmo na ruína, o monumento mantinha uma dignidade, e seu valor artístico podia ser apreciado em sua aparência pitoresca. Ademais, nesse estado de desgaste, os monumentos se aproximavam mais das obras da natureza.
Camillo Boito: restauração científica
Os monumentos documentam toda a história da humanidade. Estes devem ser preferencialmente consolidados em vez de reparados e reparados em vez de restaurados, evitando renovações e acréscimos. Quando necessários, serão realizados em dados seguros, com caracteres e materiais diferentes e distinguíveis, com sinal de identificação ou data de restauro. Todos os acréscimos de qualquer época devem ser respeitados e os acréscimos modernos não devem interferir na unidade da imagem, respeitando a forma do edifício. - Camillo Boito
O terceiro grande teórico da restauração é Camillo Boito (1836-1914). Ele é considerado o pai da restauração científica ou da restauração moderna. Baseando-se nas ideias de Ruskin, ele redefine o conceito de monumento como uma obra arquitetônica e histórica. Sua abordagem enfatiza a conservação sobre a reconstrução, defendendo a coexistência harmoniosa dos diferentes estilos do edifício. A diferenciação clara entre o antigo e os acréscimos modernos é um princípio crucial para evitar falsificações históricas.
Na Itália, conhecida como o país da ruína por excelência, Boito apresenta uma alternativa notável às abordagens de Viollet-le-Duc e John Ruskin. Seus preceitos, divulgados principalmente na conferência "Os Restauradores", realizada em Turim por volta de 1884, concentram-se nas operações de restauro de esculturas e pinturas.
Os pontos fundamentais de sua teoria, mencionados na conferência, incluem a ênfase na diferença de estilo entre o novo e o antigo, a variação nos materiais de construção, a supressão de ornamentos desnecessários, a exposição dos elementos perturbados próximo ao monumento, a marcação convencional ou gravada com a data do restauro, a inscrição explicativa no monumento restaurado, descrições e fotografias das diversas fases da obra no mesmo edifício ou proximidades, a publicação de trabalhos, e a busca por notoriedade.
Pela primeira vez, Boito propõe uma tentativa de legislação regulamentadora para a prática da restauração, marcando uma mudança significativa em relação ao intervencionismo livre de Le-Duc e à contemplação religiosa de Ruskin. As leis de Boito representam uma abordagem mais estruturada e consciente para preservar o patrimônio artístico, destacando-se como uma inovação crucial no campo da restauração.
Diversidade de ideias
As diversas visões de Viollet-le-Duc, John Ruskin e Camillo Boito oferecem um mosaico de abordagens para a conservação do patrimônio arquitetônico. Com Viollet-le-Duc priorizando o restauro estilístico, Ruskin valorizando a autenticidade histórica e Boito advogando por uma restauração científica e consciente, o cenário da conservação arquitetônica é enriquecido com uma diversidade de ideias e princípios.
Que ao explorar essas perspectivas variadas, possamos aprimorar nosso entendimento sobre a preservação do patrimônio arquitetônico, conciliando a autenticidade histórica com as necessidades contemporâneas e futuras.
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