Le-Duc, Ruskin e Boito: conheça as teorias da Restauração do Patrimônio Histórico
Conheça as diferentes visões de Viollet-le-Duc, Ruskin e Boito, que moldam a preservação do patrimônio histórico em todo o mundo.
A preservação do patrimônio histórico é uma tarefa complexa que envolve a delicada balança entre manter a autenticidade das obras e garantir sua sobrevivência ao longo do tempo. Dentre as diversas abordagens para a restauração, destacam-se as linhas de Viollet-le-Duc, Boito e Ruskin, três diferentes perspectivas sobre como abordar a conservação de edifícios históricos.
Enquanto Viollet-le-Duc abraça uma reconstrução sui generis, privilegiando a liberdade e a reinvenção, Ruskin considera as obras de arte como entidades sagradas que exigem reverência e não intervenção e, por sua vez, Boito propõe uma abordagem mais regulamentada, destacando a importância da diferenciação entre o antigo e o novo, a conservação de acréscimos de diferentes épocas e a documentação rigorosa do processo de restauração.
Essas distintas linhas de pensamento refletem as diversas filosofias que moldam a conservação do patrimônio histórico, influenciando as práticas adotadas em todo o mundo. A seguir, entenderemos o que defende cada uma delas.Critérios de Restauração de Viollet-le-Duc, Ruskin y Boito
Restauração de Viollet-le-Duc
"Restaurar um edifício significa restabelecê-lo a um grau de integridade que pode nunca ter tido antes." - Viollet-le-Duc
Com esta citação, podemos entender perfeitamente o critério de restauração proposto por le-Duc. Um critério que não se limita à simples manutenção ou reconstrução como no passado, pois com base em um conceito de estilo como algo cientificamente definível, procura restituir em uma arquitetura alterada pelo tempo, degradada em seus materiais e sobre a qual se agiu com "erros" estilísticos, sua condição primitiva, a pureza do estilo.
Para Viollet-le-Duc, realizar uma restauração eficaz significa aproximar o edifício ao estilo de sua época de construção. Seu ponto de vista foi amplamente criticado, sendo caracterizado como brutal e desonesto. De fato, Viollet-le-Duc descarta todos os elementos que ele considera inadequados e apaga parte da história do edifício, como as fases construtivas. Além disso, sua intervenção não é aparente e não permite distinguir claramente entre a parte histórica e a parte restaurada.
Além disso, Viollet-le-Duc planeja suas intervenções visando à durabilidade ao longo do tempo. Substitui um elemento danificado por outro idêntico, mas de alta qualidade para resistir ao desgaste. Em última análise, Viollet-le-Duc considera o edifício restaurado em função de seu uso, evitando assim armadilhas.
Pontos positivos de le-Duc:
- Conhecimento da história do edifício e suas técnicas construtivas.
- Sua preocupação com a durabilidade de suas intervenções.
- Consideração pelo uso.
Pontos negativos de le-Duc:
- Descarta elementos que não considera historicamente justos e não os preserva.
- Sua intervenção não é evidente: não há leitura da estratificação histórica.
Restauração de John Ruskin
Contar as pedras como se fossem as joias de uma coroa; colocar sentinelas ao redor delas, como se fossem as portas de uma cidade sitiada; reforçá-las onde começam a enfraquecer; estabilizá-las com escoras onde estão inclinadas, sem se importar com a feiura do suporte, pois isso é preferível a perder um elemento ou membro fazê-las permanecer de pé reverentemente e continuamente, e muitas gerações nascerão e passarão sob sua sombra. No final, chegará a sua hora e que nenhum acréscimo desonroso e falso a prive do ofício fúnebre da lembrança. - John Ruskin
Como podemos perceber, o pensamento desse crítico londrino é completamente oposto ao de Viollet-le-Duc, pois ele não enxerga a liberdade como um elemento na restauração. Na verdade, ele eleva a obra de arte a um patamar místico que requer respeito quase religioso, traduzindo-se na não intervenção.
Essa abordagem representa uma postura de contemplação diante do monumento. Não se trata mais da ação decidida à maneira francesa, mas sim de uma espera sem qualquer intervenção. De acordo com esse critério, a obra de arte é uma criação que pertence exclusivamente ao seu criador. Podemos apreciá-la, contemplar sua decadência, admirar seu estado de ruína, mas não temos o direito de tocá-la, pois não nos pertence. Como qualquer ser vivo, o monumento segue um ciclo de vida completo: nascimento, juventude, maturidade, decadência e morte.
Embora sua existência possa perdurar por mais ou menos tempo, inevitavelmente chegará ao fim, e a atitude mais sensata é aceitar esse destino. É no estado de ruína que os monumentos se aproximam mais das criações da natureza.
Obs: apesar de Ruskin ter expressado muitas opiniões sobre restauração e arquitetura, ele não realizou nenhuma intervenção.
Restauração de Camillo Boito e a Prima Carta del Restauro
Os monumentos documentam toda a história da humanidade. Eles devem ser preferencialmente consolidados antes de serem reparados e reparados antes de serem restaurados, evitando renovações e adições. Caso sejam necessárias, devem ser feitas com dados seguros, com características e materiais diferentes e distinguíveis, carregando um sinal de identificação ou a data da restauração. Todos os acréscimos de qualquer época devem ser respeitados, e as adições modernas não devem interferir na unidade da imagem, respeitando a forma do edifício. - Camillo Boito
Em meio à percepção da Itália como o país por excelência das ruínas, destacou-se uma voz inovadora na restauração do patrimônio artístico. Divergindo das ideias de Viollet-le-Duc e John Ruskin, Boito propôs princípios revolucionários, apresentados em 1884, enfatizando a diferença de estilo entre o novo e o antigo, reconhecendo a evolução estilística ao longo do tempo, e a distinção de materiais de construção. Sua teoria de restauração influenciou profundamente o campo.
Sua abordagem incluiu a supressão de ornamentos desnecessários e a exposição dos elementos perturbados ao lado do monumento restaurado. Propôs, ainda, marcação com sinal e data da restauração, acompanhada por uma explicação sobre o monumento. Boito também destacou a importância do restauro como uma prática que deve equilibrar a preservação e a inovação.
Ao documentar e divulgar as etapas do trabalho, Boito buscava transparência. Sua inovação mais notável foi a proposta de legislação reguladora, representando uma mudança significativa em relação ao intervencionismo livre de Viollet-le-Duc e à contemplação religioso-mística de Ruskin. A valorização da arte medieval foi central em sua teoria, destacando a importância de preservar a identidade cultural.
Camillo Boito desempenhou um papel pioneiro ao apresentar uma abordagem estruturada e criteriosa para a restauração do patrimônio artístico, buscando o equilibro da preservação do passado com as necessidades contemporâneas. Ele enfatizou o valor documental dos monumentos históricos, ressaltando a importância de cada detalhe na preservação da história.
Por fim, ao explorarmos as distintas abordagens de restauração do patrimônio propostas por Viollet-le-Duc, John Ruskin e Camillo Boito, evidenciam-se contrastes significativos que refletem diferentes visões sobre a preservação histórica: Viollet-le-Duc com uma reconstrução livre, Ruskin considerando a obra de arte intocável e Boito com uma abordagem regulamentada que busca equilibrar tradição e contemporaneidade.
Beatriz Mugayar Kühl, em seu livro 'Os restauradores e o pensamento de Camillo Boito sobre a restauração', destaca Boito como um intermediário entre os extremos de Viollet-le-Duc e Ruskin.
Perspectivas variadas que enriquecem o debate sobre a restauração do patrimônio, destacando a complexidade inerente à preservação da história e da autenticidade em meio a diferentes escolas de pensamento.
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