Impactos da Arquitetura Hostil nas cidades
Reflita sobre os impactos da arquitetura hostil nas cidades e entenda as questões por trás desta problemática social global.
Nos últimos anos, percebe-se uma tendência em muitas cidades ao redor do mundo para o desenvolvimento de espaços urbanos que parecem mais focados em excluir do que em incluir. Essa tendência, conhecida como arquitetura hostil, levanta questões fundamentais sobre a natureza do espaço público, a inclusão social e os direitos dos cidadãos.
Como espaços urbanos que parecem destinados a controlar, excluir ou desencorajar certos tipos de comportamentos ou pessoas, o conceito de arquitetura hostil emergiu em áreas urbanas onde medidas de segurança se tornaram uma preocupação primordial, mas também levantou questões sobre a inclusão, acessibilidade e qualidade de vida nas cidades. A comissão de desenvolvimento urbano desempenha um papel crucial na execução da política de desenvolvimento urbano, influenciando diretamente o bem-estar dos habitantes, especialmente os mais marginalizados.
Origem da Arquitetura Hostil
A arquitetura hostil tem suas raízes em preocupações legítimas de segurança urbana. No entanto, ao longo do tempo, ela evoluiu para incluir medidas que vão além da simples segurança, muitas vezes resultando em espaços que são percebidos como exclusivos ou inacessíveis para certos grupos de pessoas. Exemplos comuns incluem bancos de praça projetados para desencorajar o sono, piques de metal em superfícies planas para evitar que pessoas sem-teto se deitem e barreiras físicas que limitam a mobilidade de pedestres. Recentemente, um Projeto de Lei relacionado à arquitetura hostil foi aprovado pela Câmara dos Deputados, destacando a importância do debate legislativo sobre o tema.
O Conceito de Arquitetura Hostil
As transformações econômicas, tecnológicas e sociais estão redefinindo nossa estrutura social e nossa relação com o espaço público. A arquitetura hostil surge como uma resposta crescente que, sob o pretexto de agir em nosso benefício, determina quem pode usar o espaço e para quais fins.
Como uma estratégia de design urbano, que emprega elementos construtivos para influenciar comportamentos, a arquitetura hostil visa a manutenção da ordem, a comercialização do espaço ou a exclusão de certos grupos sociais. O conceito surge da ideia de que o status de cidadania está ligado ao trabalho e ao consumo, resultando em manifestações que segregam indivíduos, especialmente aqueles sem moradia fixa. Essa prática afeta diretamente os moradores de rua, criando barreiras que dificultam sua permanência em espaços públicos.
Utilizando uma dissuasão sutil, por meio de elementos discretos de design, como bancos segmentados, a arquitetura hostil busca desencorajar atividades específicas, como dormir no espaço público. Mas o que constitui exatamente esse uso inadequado? Essa pergunta levanta um debate importante sobre o propósito da arquitetura e do urbanismo, e até que ponto devemos controlá-los. Por um lado, pode-se argumentar que a arquitetura precisa ser mantida e cuidada, o que pode envolver a restrição de certas atividades. Por outro lado, há quem defenda que a arquitetura deve ser aberta à criatividade humana, aceitando uma variedade de usos e ocupações. A Rede-ES, por exemplo, propôs o Projeto de Lei 488/2021, que visa proibir o uso da arquitetura urbana hostil, buscando reduzir a marginalização e a pobreza.
Embora essas medidas possam parecer soluções pontuais, elas não abordam as raízes mais profundas da pobreza e da falta de moradia. Entre os objetos pontiagudos em bancos e degraus, cercas elétricas, arames farpados, bancos curvados, pedras em áreas livres e grades em viadutos, projetados para impossibilitar a permanência de pessoas em situação de rua, essa prática tem sido cada vez mais questionada através de movimentos que desafiam as cidades a encontrarem alternativas mais inclusivas.
Diante das desigualdades sociais e do déficit habitacional, a sociedade tem reagido, exigindo mudanças nas práticas de design urbano para promover um ambiente mais humano e acolhedor. O design do espaço urbano reflete as prioridades e valores de uma sociedade, podendo promover inclusão ou exclusão social. Portanto, é fundamental uma análise cuidadosa das consequências da arquitetura hostil e o desenvolvimento de estratégias para mitigar seus efeitos negativos, visando a construção de cidades mais justas e igualitárias.
Impacto na Comunidade
Além de criar uma sensação de exclusão e divisão, ela pode aumentar a estigmatização de certos grupos sociais e contribuir para a deterioração da coesão social. Além disso, ao restringir o acesso aos espaços públicos, ela pode limitar as oportunidades de interação social e recreação para todos os cidadãos.
A segregação resultante não apenas afeta as pessoas sem-teto, mas também toda a sociedade. Ela distorce nossa percepção da realidade e limita o uso legítimo do espaço público. Além disso, a proliferação de espaços comerciais exclusivos contribui para a fragmentação social, criando uma sociedade mais elitista e hostil.
Arquitetura Hostil no Mundo
Como citado, a arquitetura hostil tem se difundido em diversas cidades com o propósito de combater o vandalismo e evitar a ocupação de espaços públicos por pessoas sem moradia.
Em Portland, por exemplo, racks de bicicletas e caixas de plantas são utilizados para impedir que pessoas em situação de rua acampem ou descansem nas calçadas. Em Nova York, uma tentativa de reduzir o tamanho do átrio de um edifício foi feita com o intuito de dissuadir a permanência de pessoas sem moradia.
É um desafio global complexo, onde a solução não reside em simplesmente evitar que a arquitetura seja ocupada de maneira "incorreta", mas tampouco em manter a situação como está. Diversas organizações defendem estratégias de acesso à moradia, confrontando a principal questão da escassez de recursos. A exemplo da Fundação Arrels que propõe a abertura de pequenos espaços de acesso direto para pessoas que sem-teto vivam com dignidade até que recebam habitações sociais.
Outro exemplo nessa direção surgiu em Vancouver, com um modelo de banco cujo encosto se desdobra à noite para oferecer cobertura a quem precisa dormir nele. No banco, está o endereço da organização, onde a pessoa pode buscar ajuda. Um design simples pode ser um meio de unir comunidades.
Arquitetura Hostil no Brasil
No Brasil, a arquitetura hostil emergiu como uma questão significativa, especialmente evidenciada pelo crescente número de pessoas em situação de rua impactadas por essas estratégias, sobretudo na cidade de São Paulo, em um contexto marcado por profundas desigualdades sociais e históricas. Com um déficit habitacional de 5,8 milhões de moradias, o país testemunha um aumento nas ocupações irregulares e uma escalada da vulnerabilidade social.
O design do espaço urbano reflete as prioridades e valores de uma sociedade, podendo tanto promover a inclusão quanto a exclusão social. A opção por não abordar os debates políticos não reduz a relevância do tema, mas enfatiza a necessidade de uma análise focada nas consequências práticas e no impacto humano da arquitetura hostil, além de estratégias para mitigar seus efeitos negativos e fomentar um urbanismo mais humano e inclusivo.
Nesse contexto, a sociedade tem reagido. Exemplos de arquitetura hostil em São Paulo, como a colocação de pedras sob viadutos, foram removidos após críticas e reações do público, evidenciando uma crescente conscientização e resistência a essas práticas. Isso demonstra que a população está cada vez mais engajada e exigindo mudanças nas abordagens de design urbano.
Lei Padre Júlio Lancelotti
No Brasil, a batalha contra a arquitetura hostil tem um aliado: a Lei Padre Júlio Lancelotti. Esta legislação proíbe construções e intervenções classificadas como arquitetura hostil, visando evitar que certas estruturas dificultem ou impeçam o acesso e uso do espaço público, especialmente por parte das camadas mais vulneráveis da população.
O projeto de lei veta o uso de materiais, estruturas, equipamentos e técnicas construtivas destinados a restringir o direito de circulação e permanência das pessoas, sobretudo em espaços públicos abertos, promovendo assim uma cidade mais acolhedora e favorecendo o conforto e o bem-estar social.
Em sintonia com o Estatuto da Cidade, essa legislação representa um avanço em direção a uma cidade mais inclusiva. Com sua implementação e regulamentação pelos municípios até dezembro de 2024, além da fiscalização do cumprimento da lei, será essencial que exista uma gestão pública comprometida com a redução da desigualdade social e a geração de empregos.
Para refletir
Se a arquitetura hostil contribui para o aumento da exclusão social e da insegurança nos espaços urbanos, impactando negativamente as comunidades, torna-se essencial repensar nossa abordagem à arquitetura e ao urbanismo, garantindo que eles promovam a inclusão e a diversidade, em vez de reforçar a segregação e a exclusão social.
Devemos reconhecer que a solução para esses problemas não está em restringir o acesso ao espaço público, mas sim em abordar as questões subjacentes da pobreza e da desigualdade social. Estratégias que visam proporcionar acesso à moradia digna são fundamentais nesse sentido.
Somente através do diálogo aberto, colaboração e respeito pelos direitos de todos os cidadãos, podemos construir cidades verdadeiramente sustentáveis e acolhedoras para todos.
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